sexta-feira, 11 de maio de 2012

O Auto da Compadecida

Irresistível. Isto é o mínimo que se pode dizer da comédia O Auto da Compadecida, dirigida pelo global Guel Arraes. Antes que a confusão se estabeleça, vamos aos esclarecimentos. O Auto da Compadecida é uma peça de teatro escrita por Ariano Suassuna, em 1955. Nestes 45 anos, o premiado texto já passou pelas mais diversas adaptações e interpretações. Uma delas foi empreendida pela Rede Globo, no ano de 2008, que transformou a peça em minissérie de TV. Visando futuras exportações, o produtor Daniel Filho propôs ao diretor Guel Arraes que esta nova versão de O Auto... deveria ser realizada em película 35 milímetros, já que o mercado externo tem forte rejeição a produtos televisivos captados em vídeo. Assim se fez. E a minissérie foi um grande sucesso de público e de crítica.
Daí para a telona foi um passo. Após algumas horas na sala de montagem, Guel cortou 60 dos 160 minutos originais da minissérie, eliminando para isso algumas tramas paralelas. E o resultado - voltando ao início desta matéria - é simplesmente irresistível.



A história gira em torno de dois amigos que se viram como podem, no nordeste brasileiro da época do Cangaço. João Grilo (Matheus Nachtergale) é astuto, conversador, ágil em seus pensamentos, trambiqueiro. Chicó (Selton Mello, irretocável) é bom de coração, mas lento das idéias e com uma enorme propensão à covardia. Juntos, os dois fazem uma parceria inesquecível na corrida pela difícil sobrevivência nordestina. Qualquer um que se descuide, por um minuto que seja, é presa fácil para a astúcia de João Grilo. Até o demônio, se for o caso. Literalmente.

Os mais puristas podem repudiar o estilo assumidamente televisivo de O Auto da Compadecida. Sua montagem é frenética e o seu ritmo, alucinante. Nos primeiros minutos, o espectador mais desavisado pode até perder algumas linhas de diálogo, tamanha é a rapidez da metralhadora giratória falante de João Grilo. Falta um "respiro", um plano aberto, uma seqüência mais contemplativa.
Porém, na medida em que se mergulha na trama, o humor, a criatividade do texto e a excelente interpretação do elenco deixam em segundo plano qualquer falta de pretensão artística e cinematográfica que se possa atribuir ao Auto.



Brasileiríssimo na forma e no conteúdo, mundial no tema do humilde esperto sobrepujando o rico presunçoso, O Auto da Compadecida se une a Eu Tu Eles na eterna busca do cinema nacional pelo seu público perdido.



domingo, 6 de maio de 2012

"Vou lhes contar uma história, que é de verdade e de imaginação"


"Eu parti do texto poético. A origem de Deus e o Diabo é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história, que é de verdade e de imaginação, ou então, que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente." - Glauber Rocha

Capa do DVD

O filme inicia com Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), um casal de trabalhadores nordestinos que sofrem com a pobreza, a fome, a miséria do sertão. O vaqueiro Manuel se vê no meio de uma injustiça com seu patrão, o Coronel Morais (Milton Roda), e o mata. A partir daí começa a saga do pobre casal que se vê obrigado a fugir e seguir seu destino. Encontram Sebastião (Lídio Silva), beato que se dizia santo e milagreiro. O profeta promete prosperidade e salvação, porém no decorrer do filme se mostra um homem louco, alucinado e promete o impossível ao povo, que com tanta miséria, fome e necessidades precisa ouvir algumas palavras confortadoras para continuarem suas pobres vidas. 
Manuel crê firmemente nas palavras do falso salvador, embora Rosa perceba a loucura do falso Deus negro e, após o sacrifício de uma criança, acaba matando-o. Enquanto isso Antônio das Mortes (Maurício do Valle) lidera um ataque a mando dos latifundiários locais e da igreja católica, que pedem a morte dos seguidores do beato. De forma estranha, Antônio das Morte, o matador de cangaceiros deixa o casal Manuel e Rosa vivos para contar como foi o massacre à caravana de Sebastião.

O casal, Manuel e Rosa

Mais uma vez nosso casal está sozinho nas veredas do sertão e dessa vez acaba encontrando o bando de Corisco (Othon Bastos), cangaceiro remanescente do grupo de Lampião. Corisco, sendo um homem destemido que muito sofreu na vida, batiza Manuel de Satanás e este agora tem novamente um sentido em sua vida, dessa vez completamente imerso no mundo do crime e do cangaço nordestino. Depois de muita baderna e matança no nordeste, Antônio das Mortes resolve acabar de vez com os cangaceiros. Uma parte do filme que nos remete aos Westerns Hollywoodianos que com certeza influenciaram Glauber Rocha. Um faroeste no terceiro mundo. A vestimenta de Antônio das Mortes é toda característica, capa longa onde pode guardar seus utensílios, chapéu com amplas abas para se proteger do sol. Com tudo isso, o personagem ganha um ar misterioso, frio e solitário.

Ícone do Cinema Novo, o diretor Glauber Rocha

É possível identificar no roteiro de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme dirigido e escrito por Glauber Rocha, influências de Jean-Paul Sartre com sua peça teatral O Diabo e o Bom Deus, mas Glauber afirmava que o personagem de Antônio das Mortes era verídico, seu nome: José Rufino. Paulo Gil Soares documentou a história deste nordestino que matou muitos cangaceiros. Outra grande influência de Glauber para executar este filme foi o lendário Encouraçado Potemkin de Sergei Eisenstein. Ambos os filmes mudaram o rumo do cinema em suas respectivas épocas, principalmente esteticamente.

Considerado por muitos como o melhor filme brasileiro, Deus e o Diabo na Terra do Sol exemplifica bem a personalidade de Glauber. Um sujeito ambíguo, complicado, perturbado, controverso. Mandado ao exílio pelos militares, traiu a esquerda, e apoiou Geisel. Posteriormente, traiu os militares e ninguém mais o queria. Muito polêmico, conseguiu a admiração de críticos e cineastas. O próprio Martin Scorsese nunca escondeu sua paixão pela arte de Glauber Rocha e atualmente patrocina a recuperação dos filmes do cineasta baiano.

Fonte: cineplayers.com